sábado, 28 de fevereiro de 2009

De tanto ser, só tenho alma.




Não posso deixar de citar esse nome que marcou a minha vida. Foi amor à primeira vista. Falar sobre Fernando Pessoa é falar sobre sentimentos que se afloram em minha alma. Nos versos desse poeta se entrelaçam os minhas angústias, temores e desejos. É impossível descrever, sem misturá-lo comigo. Parece que cada palavra sua foi escrita com o propósito de tocar meu coração, e acredito que também toque muitos que conhecem sua lírica.

Falem de Clarice, de Drummond, ou de Camões, mas a minha paixão é Pessoa. Nas suas três personalidades, nas suas rimas ricas e nos seu pessimismo romântico mora a clareza do pensamento e a multiplicidade do ser humano. Uma multiplicidade que tanto confundem alguns e que só é compreensível para quem carrega essa pluralidade. A inquietação da alma, e a capacidade de ser mutante, típica dos geminianos, que não sabemos se é uma dádiva ou uma maldição, é descrita pelo poeta português com uma grande facilidade.

Ele conseguiu passar para o papel dúvidas e questionamentos da alma, que jamais consegui descrever. E que acredito não possuir respostas, mas que fazem me sentir mais confortável em saber que não estou sozinha em meus anseios, alguém compartilhava das minhas emoções. E o que é a poesia se não um meio de expor o que sentimos? De se fazer compreender? Para mim é isso. E isso é o que Fernando Pessoa consegue, cativar a minha atenção e me fazer sentir uma alma gêmea de sua alma. A vontade de mostrar ao mundo um turbilhão de emoções que existem dentro de nós e que em poucos minutos se desfazem, e não sabemos porque. Uma eterna busca por respostas internas. Um coração confuso e perdido diante de um mundo muitas vezes incompreensível. Ler Fernando Pessoa e não se identificar é pouco provável, dada à versatilidade de sua obra que consegue tocar os mais diversos corações.

O autoconhecimento é um dos termos que podemos usar para caracterizar suas poesias. A busca pelas “metades” de nossa alma se faz presente durante a vida, e foi isso que Pessoa buscou em sua jornada. A criação de seus heterônimos, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, e Alberto Caeiro, com suas diversas características representam a riqueza de personalidades do poeta. Em um momento ser nada, e em outro ser tudo. Somente quem tem esse turbilhão de emoções consegue entender a necessidade de colocar em ordem seus pensamentos.Navegar dentro de si.É nessa viagem que Fernando Pessoa consegue nos tocar e descrever sentimentos tão belos e complexos do ser humano, como a paixão, a melancolia, a saudade, e em especial o amor. O amor tão complicado de se entender, e de sentir, consegue ser representado com cuidado e total delicadeza pelo poeta português. Peço desculpas pelo sentimentalismo exarcebado nessas palavras que escrevi, mas é impossivel falar de Fernando Pessoa e não se desmachar. Penso que para cada momento de nossas vidas existem versos desse poeta que se encaixam perfeitamente, então, nada melhor do que palavras suas para encerrar essa retórica.

"Tenho tanto sentimento ,que é freqüente persuadir-me,de que sou sentimental, mas reconheço, ao medir-me, que tudo isso é pensamento, que não senti afinal. Temos, todos que vivemos, Uma vida que é vivida e outra vida que é pensada, e a única vida que temos é essa que é dividida, entre a verdadeira e a errada. Qual porém é a verdadeira e qual errada, ninguém nos saberá explicar; e vivemos de maneira que a vida que a gente tem é a que tem que pensar". (Fernando Pessoa)

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Bukowski por completo



"Sei que poderia fazer o diabo e fazer as palavras dançarem nesta tela se me embebedasse".

Todos temos um pouco dele. Se o conhecêssemos, nos daríamos bem entre uma cerveja e outra e um cigarro aceso. O jornalismo visceral vindo de sua poesia só atinge os perversos e desajustados. E acredito que o somos, com prazer.

Assumir uma identidade sem firulas é pra poucos: um misto de realidade e fantasia que não se pode identificar em nenhuma das linhas escritas em seus diálogos impactantes.

Além das loucuras, ele ainda fala de amor. Todos temos que falar de amor em algum momento da vida. Entre bares, prisões, assaltos e excitações ele está lá: lírico e sentimental.

É impossível definir Bukowski. Mesmo nas ereções, ejaculações e exibicionismos.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Lonely Heart's Club



Longe de mim escrever uma crítica. Além de não ser nem um pouco preparada para tal, minha cultura limita-se a ser “de tudo um pouco”: uma mistureba de coisas que acabem ganhando importância de acordo com meu estado de espírito esquizofrênico. O que, obviamente, não é garantia de qualidade. A idade é pouca, mas as expectativas e angústias são tamanhas que, às vezes, fica difícil respirar — que dirá saber do que eu gosto ou o que eu quero fazer daqui a cinco, dez anos.

E é justamente essa sensação de não saber o que o futuro reserva que tanto cativa em “Clube dos Corações Solitários”. Como disse antes, isso está longe de ser uma crítica literária. É mais uma reflexão sobre uma obra que, apesar de ter sido feita na nada saudosa década de noventa, não poderia ser mais atual.

Digo isso consciente de que estou olhando por um prisma completamente pessoal. Foi inevitável, paixão desde o primeiro parágrafo, impossível deixar de se identificar. O lead singer é André Takeda, vulgo Spit, um estudante de jornalismo fissurado por música. A impressão que dá é que Spit é a personificação do verso “Quero saber bem mais que os meus vinte e poucos anos” — originalmente composto por Fábio Júnior, mas que realmente ganhou o fôlego e a força que merecia com os vocais nervosos dos inesquecíveis Raimundos. Confuso, sensível e talentoso, Spit é, para mim, uma espécie de Bridget Jones com bom gosto musical. E homem, claro.

Como saber que trocamos, definitivamente, a adolescência pelo mundo adulto? Precisamos mesmo deixar a adolescência para trás? Essa incansável busca por conhecimento, especialmente sobre seus próprios sentimentos, nos leva à uma viagem irresistível por um universo em que bebedeiras homéricas, shows de rock e divagações sobre temas universais que perturbam até o sentimental mais desencanado, como amor e a dor de ver-se rejeitado por quem ama (ou, pelo menos, acha que ama), são a regra. Com uma simplicidade apaixonante, André apresenta seu grupo de amigos que poderiam ser os meus, ou os seus. É o tipo de livro que, de tão parecido, faz o leitor se sentir roubado.

“Clube dos Corações Solitários” é a síntese da juventude. É o medo que se tem de sair de casa, de ficar desempregado, de acabar sozinho, de se decepcionar, de amar. É a vontade de gritar, sumir, beber até esquecer o nó na garganta, tomar Coca-Cola no café da manhã e capucchino no aeroporto. É descobrir que cresceu. A fórmula não é das mais inovadoras, mas funciona.


segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

13, sexta-feira 13!




A famosa e temida sexta-feira 13 passou e com ela muitas novidades nas principais telas de cinema do país. A tão esperada volta de Jason aconteceu em uma produção moderna inspirada no clássico dos anos 80. Como de praxe, a idéia agradou a alguns e a outros nem tanto.

Por outro lado, o dia macabro também foi marcado pela estréia de uma animação promissora, Coraline. Baseado em um dos livros do escritor Neil Gaiman (série Sandman), o filme retrata a história de uma menina pouco apreciada pela família. Em uma narrativa cheia de escuridão e maldade, a menina Coraline encontra uma passagem secreta dentro da sala de visitas de sua casa e, a partir daí, inicia uma grande exploração pelo mundo onde pessoas têm olhos de botões

A direção fica por conta de Henry Selick, o mesmo que assumiu o lugar de Tim Burton em “O estranho mundo de Jack” (Nightmare Before Christmas, 1993).
O filme já pode ser assistido nos principais cinemas do país.

Coraline e o mundo secreto (2009)

"Entediada em sua nova casa, Caroline Jones um dia encontra uma porta secreta. Através dela tem acesso a uma outra versão de sua própria vida, a qual aparentemente é bem parecida com a que leva. A diferença é que neste outro lado tudo parece ser melhor, inclusive as pessoas com quem convive. Caroline se empolga com a descoberta, mas logo descobre que há algo de errado quando seus pais alternativos tentam aprisioná-la neste novo mundo".

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Poesia numa hora dessas?

Um estilo diferente e inovador de escrever poemas. Essa é a característica principal do poeta carioca Ricardo Chacal.

O artista começo seu trabalho na Praia de Ipanema, ele distribuía suas poesias escritas inicialmente em um mimeógrafo para os pedestres nas ruas.

Por meio de sua arte, Chacal tenta passar aos leitores representações de sentimentos com situações do cotidiano de maneira irreverente e descontraída, transformando a poesia em uma leitura divertida.

Mais de 13 obras do poeta de gosto popular já foram publicados e rodam o país de mãos em mãos provando que a poesia marginal é lida e que repercute, com um público cada vez maior.

Abaixo uma de suas obras, e um dos meu poemas favoritos de seu livro Belvedere, lançado em 2007.

Número da Paixão

Na corda bamba quero ser teu contrapeso
no número das facas assoviar nos teus ouvidos
no globo da morte quero ser teu copiloto
no vai e vem do trapézio quero ser quem te segura

Quero te acompanhar pelas ruas do rio sorrindo ou chorando
quero me molhar todinho só pra te deixar sequinha nesse temporal
quero te abraçar apaixonado sentir teu coração pulsar
quero te beijar do oiapoque ao chuí, bem te vi

Porque eu sei que teus cabelos são tempestades que me alucinam
que despencarei cada vez que subir nos teus andaimes que me esfaquearei
transtornado com suas sutis insinuações sobre o tempo

Que me transmutarei em nêspera cada vez que me disseres: hasta luego, luz del fuego
que vagarei sem esperanças quando não mais fizeres parte dos meus próximos capítulos
que capitularei enfim, com a cabeça espatifada nos escombros do meu próprio coração.


Ricardo Chacal (De BELVEDERE (1971-2007). Rio de Janeiro: 7 LETRAS; São Paulo: COSACNAIFY, 2007)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Bravo John!

A revista Bravo! deste mês traz uma das muitas curiosas fotos de John Lennon na capa e uma matéria de José Flávio Júnior sobre o astro. Trata-se de revelações e esclarecimentos contidos na nova biografia do beatle escrita pelo jornalista inglês Philip Norman, que contou com fortes fontes para seu livro: Yoko Ono, Paul McCartney, familiares e amigos de infância de Lennon. Para o jornalista da revista, "é uma obra espetacular, a biografia definitiva do mais brilhante e controvertido dos Beatles".

O livro será lançado no Brasil mês que vem. Enquanto isso, vale a pena se interar de alguns detalhes da biografia através da matéria.

De poesília em poesília


Ninguém o ama, ninguém o quer, ninguém o chama Nicolas Behr”. Ele chegou a Brasília ainda criança para poetizar a capital, ou vice-versa. Vindo de Cuiabá (MT) fora apresentado às vias, monumentos, eixos e blocos da Brasília de 14 anos. Curiosa a cidade. Tão planejada, simétrica e apartada. Capital migrante e alada. Assim, do encontro das peculiaridades brasilienses com o menino forasteiro, mimeografaram-se as “Brasílias” ou “Braxílias” poéticas de Nicolas Behr.

Para Nicolas, “só escrever não basta”. Por isso mesmo, esteve ele nas portas dos teatros, dos cinemas, das escolas, pelos bares, por onde houvesse aglomeração de pessoas, para vender seus mimeógrafos. Isso é ser todo poeta. É ler para escrever, e rasgar para escrever novamente e depois, publicar e vender; é estar presente em todas as etapas de sua poesia, “é antes de mais nada, uma atitude”, levando a “poesia às últimas conseqüências”, como diz seu discurso da “Geração Mimeógrafo”.

“Ser poético talvez seja ser antipoético. É ruptura. É mais que ser criativo, é ter coragem”. O poeta de Brasília foi preso em 1978 por “posse de material pornográfico”. “Tenho problemas com o Poder, a burocracia, a frieza e a desumanidade”, diz ele. Esse material ‘indecente’ encontrado foram as poesias do Nicolas versão ‘ativista do movimento estudantil’. Por falar em versões, Behr tem outras. Além de poeta, também é envolvido com ecologia. É um dos fundadores do Movimento Ecológico de Brasília (MOVE), dono do Viveiro.eco.loja Pau Brasília e, então, entendedor de árvores. O Nicolas versão pai, tem 3 filhos sempre presentes em suas estrofes, assim como é sua esposa de um casamento de 21 anos. Essas versões todas configuram nada mais que uma única pessoa inquieta e inquietante, nascida para muitas coisas; “para ser um homem bom”.

A poesia dele é toda Brasília... Ou Brasília é toda poesia. “Seria um poema? Seria Brasília?”. Seus versos acontecem todo o tempo pela cidade, pois nascem quando os olhos de Nicolas captam a sensibilidade das cenas cotidianas. Ele não imagina as histórias, elas apenas se fazem ao acaso da rotina das vidas que passam pelos cantos das quadras. Muito tem que acontecer para que sua poesia surja. Brasília está inteira e sóbria nos versos dos 11 livros do poeta, mimeografados ou não.

Graciosa, simples, cheia de informação e sensações é a linguagem de Behr. São combinações de palavras que querem ser entendidas em todo o seu contexto; é a harmonia de idéias e ideais familiares aos seres viventes da Brasília – residência desconhecida de quem nunca a encarou. Nicolas insiste: quer ser entendido, quer que sua poesia seja comunicativa. Talvez por esse desejo de comunicação se mantenha por perto de seus leitores conhecidos e recém-apresentados.

Brasília é única dentre outras cidades não só por seu projeto, mas porque é órfã. É filha da chocadeira do sonho de JK. A cidade não começou na beira do Paranoá, mas voou da maquete de Lúcio Costa para o planalto central. Até o Lago. Depois vieram as pessoas e suas necessidades com lugares pré-estabelecidos para serem saciadas. Demorou décadas até que adotassem a cidade mas, ainda assim, ela é de pouca gente.

A Capital são quatro Brasílias, bem como Nicolas Behr define. Há a Brasília monumental (a dos turistas) símbolo do Poder brasileiro; a Brasília residencial composta pelas quadras e seus respectivos blocos de apartamentos residenciais; a Brasília gregária que é dividida em setores tais como os comerciais; e a Brasília bucólica, do espaço de lazer. Toda essa apartação quadrada de tarefas e de objetivos cria uma distância entre setores de atuação impedindo um diálogo, um sincretismo entre eles, emergindo daí uma certa frieza nas relações interpessoais.

Toda essa pluralidade de elementos exclusivos da cidade é o estopim para a criação das poesias. Os poemas satirizam, contam, criticam, registram e sentem Brasília. Tudo está lá: os blocos onde “moram inclusive pessoas normais”; as SQSs, SQNs, QQQs e todas as siglas e números dos endereços sem nome; a W3, a L2 e os eixos e balões, quadras e burocracia; o cerrado e a imprecisão dos troncos de suas árvores; os personagens tão comuns quanto os síndicos, zeladores e vizinhos; os namoros nas pilastras dos blocos, os ônibus circulares e até a superquadra que “nada mais é que a solidão dividida em blocos”.

Pelo concreto e asfalto por onde há vida brasiliense, vai o vento poético dobrando as esquinas (dizem até não existirem) das quadras das asas até encontrar o poeta da cidade, o homem que verdadeiramente a adotou, para fazer-se poesia. Assim, mais um minuto de Brasília é registrado. E para acabar, Nicolas Behr não é poeta marginal. “Eu, hein?”.

POR: MARINA BÁRTHOLO

Você sabe ler?

Os rabiscos de spray estampam a paisagem de qualquer cidade brasileira. Para onde quer se olhe há os garranchos que podem ao mesmo tempo intrigar como serem ignorados. A maioria das vezes o significado da pichação é indecifrável por quem passa por ela. Quando nos deparamos pela manhã com o nosso muro pichado, certamente nos perguntamos que diabos estão comunicando usando bem a nossa residência como outdoor. Será que há um significado importante? Por quê rabiscam muros? Bem, para termos uma noção da razão desta prática devemos conhecer a história dela.

Apesar de parecer ser uma ação contemporânea, há registros de pichação nas paredes de antigas civilizações. Na cidade de Pompéia, devastada por um vulcão em 79 d.C. é possível identificar nos muros escritas que variam de xingamentos e poesias a propagandas políticas e anúncios. Na Idade Média, na época da inquisição, os padres pichavam conventos rivais expondo suas ideologias e tecendo calúnias contra seus opositores. Até então, os materiais utilizados não passavam de tintas comuns à época. A produção do spray aerosol só começou após a segunda guerra mundial, o que acelerou o processo de pichar.

No Brasil, as pichações apareceram quando o regime militar chegava ao fim. Elas manifestavam opiniões políticas e protesto à censura. Por volta de 1978 surgem as chamadas “pichações poéticas”. Eram frases enigmáticas ou brincadeiras verbais como “Celacanto provoca maremoto” ou “viola o violão”. Já nos anos 80, chega aos muros brasileiros a pichação garranchada como se vê hoje. O grafitti, como é conhecido, veio do movimento hip hop dos Estados Unidos. No Brasil, a grafitagem é bem menos marginalizada que a prática da pichação. Ela requer mais tempo para ser produzida; usualmente utiliza várias cores e é legível, possuindo uma estética mais bonita. Por essa característica, o grafite passa a ser considerado arte das ruas, pois já não se restringe a letras estilizadas, mas também a coloridas e enormes pinturas.

A grafitagem começou como maneira de expressão e se transformou em arte visual. Paralelo a isso surgem os pichadores alpinistas. Para eles não importa o que se escreve, mas onde. Correndo risco de despencar, alcançam os topos dos prédios e gravam seus apelidos para o espanto de todos que vêem. Não tardou para que grupos de pichadores se formassem criando verdadeiras gangues.

QUEM NÃO SE ARRISCA, NÃO TEM FAMA

No DF, a existência de gangues de pichadores é evidente. Cada uma possui seu território onde estão gravados suas siglas e os apelidos de seus pichadores. Sendo assim, se um integrante de uma gangue picha o território de um rival, é motivo para “guerra”.

“Sombryo”, ex-integrante da gangue GDF (Grafiteiros do DF), conta que se afastou das pichações por ter sofrido tentativa de homicídio numa rixa entre a GDF e uma gangue inimiga. Sobreviveu a um tiro na barriga e outro no braço e hoje se dedica a grafitar com permissão em muros pichados.

Morador da Ceilândia, Sombryo começou a pichar aos 15 anos de idade quando conheceu pichadores que estudavam em sua escola. Seu apelido foi retirado de uma frase de uma revista em quadrinhos para estampar marquises, prédios, muros, portões, placas...
“A adrenalina é uma coisa inexplicável”, diz Sombryo ao justificar o que o motivava a pichar pelas noites. Este é o vício dos pichadores, e, ao buscar uma dose maior de adrenalina, alcançam os lugares mais improváveis. Ao escalar um prédio de três andares para deixar sua marca, Sombryo despencou de uma marquise que cedeu, mas “nada de grave”, diz. Uma das vezes de mais adrenalina dele foi quando pichou o muro ao lado de uma delegacia. “Fiquei falado na quebrada”.

Por falar em polícia, Sombryo já foi “tomar café na delegacia” três vezes quando pego pichando. Mas ele justifica: “É assim mesmo. Quem não se arrisca, não tem fama”. Alcançar a fama entre outros pichadores e pessoas da região é o que glorifica um pichador. O auge da fama de Sombryo talvez tenha sido quando uma frase que pichou num portão do S.I.A. foi publicada no livro de um ex-pichador. A frase é “quem sabe ler?”, que brinca com a incapacidade das pessoas leigas entenderem o que está pichado.

Sombryo pichava geralmente sozinho e escolhia o local aleatoriamente. Gasta dez reais por spray (jet) comprado em qualquer loja de tintas. Tem 26 anos de idade, pichou durante 11, concluiu o segundo grau escolar e hoje trabalha e grafita.

POR: MARINA BÁRTHOLO

Fanzines: A independente arte de pulbicar

A necessidade de troca de informações entre aficionados de uma determinada arte gerou os primeiros fanzines na década de 30, nos Estados Unidos. Logo a iniciativa de publicação amadora meramente de caráter informativo passou também a configurar um espaço de reflexão e crítica dos acontecimentos.

Editar fanzines requer muito interesse, tempo e dinheiro. A maior parte dos entusiastas lucram pouco ou nada com eles. Geralmente essas publicações independentes contam com um pequeno número de pessoas na equipe que acabam por fazer de tudo um pouco. Por não se limitarem a uma estrutura padrão de publicação, muitos fanzines são aperiódicos e variam o número de páginas e diagramação.

Nos primeiros anos do surgimento dos fanzines, se destacaram temas como poesia, ficção científica e histórias em quadrinhos. Porém, quando a década de 70 chega com seu movimento punk, o fanzine torna-se difusor de idéias políticas tidas como subversivas e um porta-voz dos fãs de bandas undergrounds. E no underground, no submundo, que os fanzines se fizeram presentes pela década de 80 até nossos dias de século XXI. Zines (como são chamados) se espelham em assuntos ignorados pela grande mídia por não atingirem um grande número de interessados, por isso mesmo não são encontrados em bancas. Ninguém vai atrás das publicações, pois elas chegam até o leitor sempre pelas mãos de quem as produz ou apóia.

Zines sobre rock, por exemplo, são distribuídos em shows deste estilo; zines que retratam a cena artística de uma cidade, naturalmente serão disponibilizados em galerias ou qualquer evento relacionado; sendo assim, circulam entre pessoas do meio ao qual pertencem fortalecendo a integração delas.

Para sentirmos melhor a força dos fanzines que contribui para manter um movimento cultural na ativa, imaginemos o seguinte caso: João muda-se de São Paulo, onde adora ir a eventos artísticos, para Brasília. Ao assistir tv, descobre que há concerto da orquestra sinfônica do Teatro Nacional todas as terças à noite gratuitamente. Solitário, ele vai prestigiar. No sagão de entrada da sala Villa Lobos recebe alguns panfletos para ler enquanto a fila para entrar não anda. Um faz propaganda de uma loja de instrumentos e livros musicais e outro avisa de um festival de teatro local. Na semana seguinte, ele vai ao referido festival de teatro no espaço da 508 sul onde não mais que 100 pessoas comparecem às apresentações. Ora, convenhamos que se aparece mais alguém não haveria espaço suficiente. Lá recebeu mais panfletos e o Boca de Cena, fanzine brasiliense e, através deles soube de mais eventos de seu interesse. É praticamente uma reação em cadeia. Logo João faz amizade com demais freqüentadores desses eventos e se integra na cena cultural.

Provavelmente, se você não vai a pequenos shows de rock em Brasília, não soube do festival headbanger’s attack onde tocaram oito bandas, sendo cinco de outros estados. Muito menos soube do tradicional festival de thrash metal Caga Sangue na alcova do Conic... Nem se quer sabia de sua tradição. Isso porque se você não participa de eventos roqueiros, não tem acesso ao Zine Oficial, muito menos ao Brasília, Fina Flor do Rock.

Fanzines necessariamente se relacionam com movimentos culturais e suprem a necessidade de divulgação do trabalho de muitos entusiastas. Há quem ame desenhar ou escrever, mas não encontra onde publicar suas criações; há quem está louco para criticar alguma ação social e não sabe onde expor suas idéias; a partir disso surgem as iniciativas de “faça você mesmo”. A grande vantagem da publicação independente é que não é preciso ter “papas na língua”, e isso é importante para a prática da liberdade de expressão. Se grandes jornais não a praticam por inteiro, pequenos fanzines que não têm nada a perder a fazem acontecer.

Independentes e undergrounds, zines não se restringem a tamanho, cor ou caráter. Podem ser inteiramente informativos ou totalmente em quadrinhos. O Fina Flor, por exemplo, se desdobra em três folhas tamanho A4 impressas somente em preto. Praticamente não contém desenhos e traz, além de datas de shows e informações sobre bandas independentes de rock, uma entrevista e pequenos textos reflexivos. Já o Zine Oficial, é um livreto de não mais que 15 centímetros com capa colorida e conteúdo em preto e branco dividido em cerca de 10 páginas. É cheio de fotos, desenhos e trata de um show específico através de uma entrevista e informações sobre as bandas.

Como tudo nessa era, os fanzines já foram parar na internet. Muitos deles existem apenas na rede a quebrar o ritual de distribuição mão a mão. É o caso do fanzine carioca O Diário de César (Uma síntese piegas de uma mente ordinária).

Criado por Rafael Pereira, desenhista, e Luís Augusto, roteirista, O Diário de César são histórias em quadrinhos criadas a partir da construção de personagens pelo roteirista para o jogo de RPG (Role-playing game).

A vontade de desenhar uniu-se à sede de escrever compondo uma vida dentro dos quadrinhos: a vida de César. Ele, acompanhado por Tom, seu melhor e garanhão amigo, Clara, a “menina dos olhos” dele e, por quê não, por sua consciência materializada, vive uma “vida ordinária” de personagem em quadrinhos. O Diário de César é justamente um apanhado de acontecimentos do dia-a-dia do personagem e uma síntese de relacionamentos interpessoais capazes de acontecer também fora dos quadrinhos. César não é super-herói nem o perdedor-mor. É um simples jovem flautista estudante de música que tem um amor platônico e um amigo galã que se mete (e o mete) em enrascadas prováveis ou não.

É claro que nem tudo o que acontece nos quadrinhos de César poderia acontecer na vida de seus leitores, afinal ele é condicionado, com vantagens e desvantagens, à vida consciente de personagem de quadrinhos. Só carrega a responsabilidade de saber disso quando seus companheiros vivem na ignorância. Atualizada com certa periodicidade, a página do Diário passou a receber um bom número de visitas, e estas aumentaram quando seus criadores passaram a divulgá-la mais pela internet em sites especializados.

Ao atingir um bom número de leitores virtuais, os organizadores do Diário resolveram experimentar levá-lo aos eventos de quadrinhos e mangás (quadrinhos japoneses), e, para isso, tornaram o fanzine impresso.

O Diário de César pode ser acessado pelo endereço: http://www.procriar.blog-se.com.br/blog/conteudo/null e sua versão impressa poderá ser requisitada pela página.

POR: MARINA BÁRTHOLO

Cidadania pela arte... e vice-versa!

Artistas de São Sebastião ensinam que a arte é um caminho para uma identidade cidadã

Na periferia das grandes cidades aonde a atenção governamental pouco chega, a mobilização da comunidade é essencial para a construção de uma atmosfera cidadã. Por meio de organizações, associações e conselhos, moradores da região se engajam na busca de edificar um ambiente com tudo o que uma cidade exige: de saneamento básico a educação de qualidade, da preocupação com o meio ambiente à constituição de identidade social. Assim surgem grupos que lutam pelas mais diversas causas fazendo a comunidade funcionar e crescer nos aspectos práticos e sociais, como uma cidade feita por seus cidadãos. É o caso do Radicais Livres Sociedade Anônima, associação constituída por artistas de São Sebastião que muito faz pela comunidade.

São Sebastião é uma das maiores periferias de Brasília e um exemplo de dedicação e organização de seus moradores em prol da comunidade. Como relata o morador Vinicius Borba, a cidade conta com conselhos de meio ambiente, segurança, educação e arte. Ele é membro- ativo de alguns destes conselhos, mas é o grupo de arte seu principal meio de luta para criar uma nova perspectiva de educação aos jovens e consolidação dos artistas e aspirantes. A associação – ou sociedade, como se denominam – Radicais Livres tem cinco anos de realizações e aprimoramentos.

O Radicais Livres S.A. se consumou com o SarauRadical quando alguns artistas das mais diferentes vertentes resolveram se unir e apresentar sua arte para quem quisesse ver. “A idéia foi tão atraente, que já na terceira reunião o público não cabia mais no local – a casa de um dos artistas”, diz Vinicius. Deste modo, o grupo ficou conhecido na região e ganhou mais adeptos enriquecendo o círculo artístico com idéias e idealizações. Assim, grupos de trabalho (GTs) foram criados com o intuito de divulgar e acolher quem estivesse a fim de trabalhar nos eventos do grupo. São GTs de divulgação, sonorização, iluminação, jornalismo e mídia eletrônica que possuem, cada um, um coordenador e colaboradores que, dentre eles, antes da criação do Radicais Livres, não tinham a possibilidade e, em alguns casos, sequer a idéia de trabalhar e aprender arte.

Artistas plásticos, atores, músicos, dançarinos e cineastas unidos e engajados na causa do Radicais Livres S.A. planejam incrementar o projeto social do grupo expandindo os GTs e promovendo oficinas. “Nosso objetivo inicial é ser uma entidade do movimento cultural promovendo eventos e oficinas de iniciação cultural na cidade de São Sebastião e em Brasília, propondo ao estado brasileiro políticas públicas e de ação afirmativa que garantam à população de baixa renda das periferias das grandes cidades o acesso à cultura, aos direitos e à cidadania”, afirma Vinícius. Segundo ele, o grupo ainda pretende representar as comunidades de baixa renda das periferias de Brasília e do Brasil no combate à falta de acesso dessas populações à arte e à cultura e promover a inclusão digital e a participação – a partir de cursos preparatórios – nas licitações públicas de cunho cultural, democratizando o acesso à cultura e, conseqüentemente, o acesso à cidadania.

POR: MARINA BÁRTHOLO