quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Você sabe ler?

Os rabiscos de spray estampam a paisagem de qualquer cidade brasileira. Para onde quer se olhe há os garranchos que podem ao mesmo tempo intrigar como serem ignorados. A maioria das vezes o significado da pichação é indecifrável por quem passa por ela. Quando nos deparamos pela manhã com o nosso muro pichado, certamente nos perguntamos que diabos estão comunicando usando bem a nossa residência como outdoor. Será que há um significado importante? Por quê rabiscam muros? Bem, para termos uma noção da razão desta prática devemos conhecer a história dela.

Apesar de parecer ser uma ação contemporânea, há registros de pichação nas paredes de antigas civilizações. Na cidade de Pompéia, devastada por um vulcão em 79 d.C. é possível identificar nos muros escritas que variam de xingamentos e poesias a propagandas políticas e anúncios. Na Idade Média, na época da inquisição, os padres pichavam conventos rivais expondo suas ideologias e tecendo calúnias contra seus opositores. Até então, os materiais utilizados não passavam de tintas comuns à época. A produção do spray aerosol só começou após a segunda guerra mundial, o que acelerou o processo de pichar.

No Brasil, as pichações apareceram quando o regime militar chegava ao fim. Elas manifestavam opiniões políticas e protesto à censura. Por volta de 1978 surgem as chamadas “pichações poéticas”. Eram frases enigmáticas ou brincadeiras verbais como “Celacanto provoca maremoto” ou “viola o violão”. Já nos anos 80, chega aos muros brasileiros a pichação garranchada como se vê hoje. O grafitti, como é conhecido, veio do movimento hip hop dos Estados Unidos. No Brasil, a grafitagem é bem menos marginalizada que a prática da pichação. Ela requer mais tempo para ser produzida; usualmente utiliza várias cores e é legível, possuindo uma estética mais bonita. Por essa característica, o grafite passa a ser considerado arte das ruas, pois já não se restringe a letras estilizadas, mas também a coloridas e enormes pinturas.

A grafitagem começou como maneira de expressão e se transformou em arte visual. Paralelo a isso surgem os pichadores alpinistas. Para eles não importa o que se escreve, mas onde. Correndo risco de despencar, alcançam os topos dos prédios e gravam seus apelidos para o espanto de todos que vêem. Não tardou para que grupos de pichadores se formassem criando verdadeiras gangues.

QUEM NÃO SE ARRISCA, NÃO TEM FAMA

No DF, a existência de gangues de pichadores é evidente. Cada uma possui seu território onde estão gravados suas siglas e os apelidos de seus pichadores. Sendo assim, se um integrante de uma gangue picha o território de um rival, é motivo para “guerra”.

“Sombryo”, ex-integrante da gangue GDF (Grafiteiros do DF), conta que se afastou das pichações por ter sofrido tentativa de homicídio numa rixa entre a GDF e uma gangue inimiga. Sobreviveu a um tiro na barriga e outro no braço e hoje se dedica a grafitar com permissão em muros pichados.

Morador da Ceilândia, Sombryo começou a pichar aos 15 anos de idade quando conheceu pichadores que estudavam em sua escola. Seu apelido foi retirado de uma frase de uma revista em quadrinhos para estampar marquises, prédios, muros, portões, placas...
“A adrenalina é uma coisa inexplicável”, diz Sombryo ao justificar o que o motivava a pichar pelas noites. Este é o vício dos pichadores, e, ao buscar uma dose maior de adrenalina, alcançam os lugares mais improváveis. Ao escalar um prédio de três andares para deixar sua marca, Sombryo despencou de uma marquise que cedeu, mas “nada de grave”, diz. Uma das vezes de mais adrenalina dele foi quando pichou o muro ao lado de uma delegacia. “Fiquei falado na quebrada”.

Por falar em polícia, Sombryo já foi “tomar café na delegacia” três vezes quando pego pichando. Mas ele justifica: “É assim mesmo. Quem não se arrisca, não tem fama”. Alcançar a fama entre outros pichadores e pessoas da região é o que glorifica um pichador. O auge da fama de Sombryo talvez tenha sido quando uma frase que pichou num portão do S.I.A. foi publicada no livro de um ex-pichador. A frase é “quem sabe ler?”, que brinca com a incapacidade das pessoas leigas entenderem o que está pichado.

Sombryo pichava geralmente sozinho e escolhia o local aleatoriamente. Gasta dez reais por spray (jet) comprado em qualquer loja de tintas. Tem 26 anos de idade, pichou durante 11, concluiu o segundo grau escolar e hoje trabalha e grafita.

POR: MARINA BÁRTHOLO

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