quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

De poesília em poesília


Ninguém o ama, ninguém o quer, ninguém o chama Nicolas Behr”. Ele chegou a Brasília ainda criança para poetizar a capital, ou vice-versa. Vindo de Cuiabá (MT) fora apresentado às vias, monumentos, eixos e blocos da Brasília de 14 anos. Curiosa a cidade. Tão planejada, simétrica e apartada. Capital migrante e alada. Assim, do encontro das peculiaridades brasilienses com o menino forasteiro, mimeografaram-se as “Brasílias” ou “Braxílias” poéticas de Nicolas Behr.

Para Nicolas, “só escrever não basta”. Por isso mesmo, esteve ele nas portas dos teatros, dos cinemas, das escolas, pelos bares, por onde houvesse aglomeração de pessoas, para vender seus mimeógrafos. Isso é ser todo poeta. É ler para escrever, e rasgar para escrever novamente e depois, publicar e vender; é estar presente em todas as etapas de sua poesia, “é antes de mais nada, uma atitude”, levando a “poesia às últimas conseqüências”, como diz seu discurso da “Geração Mimeógrafo”.

“Ser poético talvez seja ser antipoético. É ruptura. É mais que ser criativo, é ter coragem”. O poeta de Brasília foi preso em 1978 por “posse de material pornográfico”. “Tenho problemas com o Poder, a burocracia, a frieza e a desumanidade”, diz ele. Esse material ‘indecente’ encontrado foram as poesias do Nicolas versão ‘ativista do movimento estudantil’. Por falar em versões, Behr tem outras. Além de poeta, também é envolvido com ecologia. É um dos fundadores do Movimento Ecológico de Brasília (MOVE), dono do Viveiro.eco.loja Pau Brasília e, então, entendedor de árvores. O Nicolas versão pai, tem 3 filhos sempre presentes em suas estrofes, assim como é sua esposa de um casamento de 21 anos. Essas versões todas configuram nada mais que uma única pessoa inquieta e inquietante, nascida para muitas coisas; “para ser um homem bom”.

A poesia dele é toda Brasília... Ou Brasília é toda poesia. “Seria um poema? Seria Brasília?”. Seus versos acontecem todo o tempo pela cidade, pois nascem quando os olhos de Nicolas captam a sensibilidade das cenas cotidianas. Ele não imagina as histórias, elas apenas se fazem ao acaso da rotina das vidas que passam pelos cantos das quadras. Muito tem que acontecer para que sua poesia surja. Brasília está inteira e sóbria nos versos dos 11 livros do poeta, mimeografados ou não.

Graciosa, simples, cheia de informação e sensações é a linguagem de Behr. São combinações de palavras que querem ser entendidas em todo o seu contexto; é a harmonia de idéias e ideais familiares aos seres viventes da Brasília – residência desconhecida de quem nunca a encarou. Nicolas insiste: quer ser entendido, quer que sua poesia seja comunicativa. Talvez por esse desejo de comunicação se mantenha por perto de seus leitores conhecidos e recém-apresentados.

Brasília é única dentre outras cidades não só por seu projeto, mas porque é órfã. É filha da chocadeira do sonho de JK. A cidade não começou na beira do Paranoá, mas voou da maquete de Lúcio Costa para o planalto central. Até o Lago. Depois vieram as pessoas e suas necessidades com lugares pré-estabelecidos para serem saciadas. Demorou décadas até que adotassem a cidade mas, ainda assim, ela é de pouca gente.

A Capital são quatro Brasílias, bem como Nicolas Behr define. Há a Brasília monumental (a dos turistas) símbolo do Poder brasileiro; a Brasília residencial composta pelas quadras e seus respectivos blocos de apartamentos residenciais; a Brasília gregária que é dividida em setores tais como os comerciais; e a Brasília bucólica, do espaço de lazer. Toda essa apartação quadrada de tarefas e de objetivos cria uma distância entre setores de atuação impedindo um diálogo, um sincretismo entre eles, emergindo daí uma certa frieza nas relações interpessoais.

Toda essa pluralidade de elementos exclusivos da cidade é o estopim para a criação das poesias. Os poemas satirizam, contam, criticam, registram e sentem Brasília. Tudo está lá: os blocos onde “moram inclusive pessoas normais”; as SQSs, SQNs, QQQs e todas as siglas e números dos endereços sem nome; a W3, a L2 e os eixos e balões, quadras e burocracia; o cerrado e a imprecisão dos troncos de suas árvores; os personagens tão comuns quanto os síndicos, zeladores e vizinhos; os namoros nas pilastras dos blocos, os ônibus circulares e até a superquadra que “nada mais é que a solidão dividida em blocos”.

Pelo concreto e asfalto por onde há vida brasiliense, vai o vento poético dobrando as esquinas (dizem até não existirem) das quadras das asas até encontrar o poeta da cidade, o homem que verdadeiramente a adotou, para fazer-se poesia. Assim, mais um minuto de Brasília é registrado. E para acabar, Nicolas Behr não é poeta marginal. “Eu, hein?”.

POR: MARINA BÁRTHOLO

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