quinta-feira, 23 de abril de 2009

O mundo em um clique

Câmera, computador, disposição e muito amor à fotografia: o artista plástico e pesquisador da UnB Sílvio Zamboni põe o pé na estrada para registrar cidades do mundo

Fotografar características históricas, artísticas, estéticas, arquitetônicas e arqueológicas de todas as cidades tombadas do mundo, catalogando-as em um imenso banco de imagens. Essa é a proposta do projeto Patrimônio Mundial da Humanidade, que, com fotos tiradas de ângulos inusitados, cortes nada convencionais e cores vibrantes proporcionam uma perspectiva diferente a olhares acostumados a observar monumentos sempre da mesma forma. A técnica do fotógrafo mistura-se à sensibilidade do artista para captar imagens que não são apenas meros registros de viagem, mas obras de arte. Nas palavras do próprio idealizador do projeto, Sílvio Zamboni, a empreitada é mais que um projeto de pesquisa: é um projeto de vida.

Professor da Universidade desde 1993 e artista plástico com uma vida inteira de experiência, Sílvio deixa a modéstia de lado quando o assunto é sua carreira. “Ainda me considero pintor, apesar de estar parado há algum tempo. Mas devo ter centenas de quadros”, estima. O flerte com as lentes da câmera fotográfica, entretanto, demorou um pouco mais para aparecer. Já experiente em fazer arte com ajuda da computação gráfica, Sílvio se diverte ao lembrar-se da época que se interessou por fotografia. “Assim que as máquinas fotográficas ficaram mais acessíveis, comprei uma e começaram a sair muito boas”, conta. “Menos de um ano depois, eu tinha um livro publicado e virei fotógrafo”.

Tudo começou a oito anos, na cidade de Pirenópolis, Goiás. “Comecei a fotografar porque eu tenho casa lá, então, já tenho uma ligação muito grande com a cidade”, explica. A satisfação com o resultado das fotos foi tanta que a cidade acabou ficando pequena para a ambição do mais novo fotógrafo brasiliense. Surgia, então, o subprojeto Patrimônio Brasil, que ampliava o itinerário para incluir todas as cidades tombadas do Brasil. De norte a sul do país, o artista-fotógrafo já conseguiu registrar quase tudo, “faltando, talvez só o Maranhão”.

Mas a terra do futebol também acabou ficando pequena demais, e o jeito foi partir para o resto do mundo, com os subprojetos América Latina e Europa. “Tive a oportunidade de viajar para o Peru e fotografar toda a riqueza em bens culturais de lá, que vai muito além de Machu Picchu”, conta Sílvio. Em 2008, os destinos foram Espanha, Portugal e Itália – onde as cidadelas medievais ganharam atenção especial nos cerca de dois meses de viagem.


Foto tirada em 2008, da cidadela medieval Carcassone, ao sul da França: menina-dos-olhos do pesquisador


Uma vez pronto, a idéia é que o banco de imagens sirva como fonte de consulta para pesquisadores e professores da UnB. “Em áreas como a arquitetura, por exemplo, ter imagens de diversas cidades pode ser muito útil”, exemplifica o artista, que faz questão de esclarecer: embora o objetivo seja dar a concessão das imagens gratuitamente, no momento em que der seus últimos cliques, a transação deve ser feita de forma minuciosa, para evitar prejuízos. “Não quero que as minhas fotografias sejam usadas comercialmente, a menos que haja alguma cláusula que me favoreça”, pondera.

Sem apoio financeiro, Silvio precisa tirar todos os gastos da viagem de seu salário de professor. “Nunca tentei o apoio da UnB, porque achei que não teria espaço”, diz. A alternativa para as viagens não pesarem tanto no bolso são os incentivos fiscais do Governo, como o Fundo de Apoio à Cultura (FAC) e a Lei rouanet, ou buscar ajuda junto a organismos internacionais, mais acessíveis que os “herméticos órgãos de pesquisa” brasileiros. “Na minha viagem ao México, o governo mexicano me ajudou bastante”, exemplifica.

A criação

Da execução da foto até a imagem final, o processo de criação envolve muita paciência, sorte e principalmente talento do artista. “Não é uma fotografia comum. Ela pode ser boa para uma revista, mas não ser propriamente uma obra de arte”, compara. O fotógrafo calcula que a média seja de uma foto artística para cada duzentas tentativas. O que sobra vira registro de viagem, pois embora não sejam tão especiais como as outras, as imagens servem para enriquecer o futuro banco de imagens.

Sílvio explica que, quando se trabalha com fotos digitais, há sempre duas etapas: a primeira seria a do fotógrafo puro, ou o momento em que ele capta a imagem. Após a escolha da fotografia ideal, as imagens passam por um tratamento digital, a segunda etapa do processo. As modificações podem ser sutis (uma imagem escura que fica mais clara, por exemplo) ou mais elaboradas. “Ás vezes, com pequenos efeitos de computador, você pode recriar uma fotografia que não é necessariamente excepcional”.

Cores vibrantes e ângulos pouco convencionais são a marca registrada do fotógrafo


Mas como diferenciar uma fotografia artística de uma não tão especial assim? Para Sílvio, a resposta é tão arbitrária como a própria arte. “O que diferenciaria um grande quadro de um quadro medíocre? Eu não sei dizer, mas todo mundo sabe diferenciar uma grande pintura de uma pintura medíocre ou mediana”, diz. “Elas têm que ser especiais, têm que ter alguma coisa diferente de tudo”.

O artista explica que fotos artísticas não precisam, necessariamente, retratar a realidade. O que conta mesmo são os elementos que compõem a imagem – seja um ângulo, uma cor, um lance ou um momento fotográfico – que possam ser considerados relevantes a ponto de serem eternizados, e não tanto a técnica utilizada no momento de tirar a fotografia. “Pode ser um momento fotográfico tão especial que torna aquela fotografia uma obra de arte”, completa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário