quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Cultura de Violência e sensacionalismo no Profissão Repórter

Por Vinícius Borba

Profissão Repórter faz reportagem sensacionalista sobre violência em São Sebastião

No dia 28 de julho, terça-feira, foi ao ar mais uma edição do programa Profissão Repórter, da Rede Globo. Neste “episódio”, o tema era a violência de gangues na periferia de Brasília. E para tristeza da comunidade, a cidade foi retratada como um “Faroeste Caboclo”, além da citação de “Cidade Mais Violenta do DF”, com base em dados da Polícia Civil. “De toda forma, mesmo que a informação não esteja incorreta, a reportagem tem que atender a um princípio de pluralidade”, diz o professor do Departamento de jornalismo da Univeridade de Brasília(UnB), Luiz Martins.

Mostrarem as dificuldades e problemas da localidade não seria problema se os jornalistas tivessem também publicado os movimentos de cultura de paz aqui existentes. Não, não. O importante e destacado mesmo foram as marcas de bala nas paredes e relatos pobres de jovens marginais querendo aparecer na TV. O Tribuna de São Sebastião entrevistou um dos jovens que aparecem na reportagem para saber como foi a abordagem dos globais. E descobrimos o que eles realmente estavam atrás em São Sebastião. Eles queriam sangue!

Sarau dentro da escola. A equipe do Profissão esteve lá, mas nem comentou








Foto Vinícius Borba





Onde ficou a cultura de paz?
O programa é chefiado por Caco Barcelos, jornalista famoso no país. A equipe que veio era composta por Felipe Gutierrez e Caroline Kleinübing.Eles estiveram em visita ao Centro Educacional(CED) São Francisco, onde entrevistaram personagens como a Diretora Leisa Sasso e alguns estudantes. Apesar de serem formados, os repórteres não conseguiram, durante todo o dia algum relato mais contundente, mostrando a violência ou algum envolvimento dos alunos. Naquele dia, 10 de julho, estavam sendo encerradas as aulas no prédio provisório do CED São Francisco. A escola inteira seria logo transferida para o novo prédio construído no bairro de mesmo nome da escola. Naquele exato dia os alunos estavam se despedindo da escola. E fizeram para tanto um grande Festival Cultural, com circo, sapateado e muita arte. Mas o Profissão Repórter não publicou nada sobre a arte ali apresentada. Pelo contrário. Isolou dois alunos de sapateado num canto -- enquanto o sarau rolava atrás deles -- e começou um interrogatório duro e seco. Só se mostrou a cultura de violência. A cultura de paz foi jogada ao vento.

O interrogatório

“Eles perguntaram como era minha atuação em gangues, só por que eu moro na quadra 202. Foi constrangedor. Queria falar sobre os projetos da escola. Mas eles retomavam a discussão sobre violência. Eles são péssimos. Deviam voltar para a faculdade”, disse Gleiton Soares, 20 anos, aluno do CED São Francisco. Ele também alega que os repórteres induziam constantemente as respostas dele e dos outros entrevistados. Segundo Gleiton, de tudo que eles disseram sobre paz e cultura dos jovens da cidade, o Profissão só publicou os pequenos trechos sobre gangues, ignorando o outro lado da questão.

A diretora, Leisa Sasso, diz ser frustrante uma equipe de reportagem passar dois dias dentro de uma escola com projetos diferentes para envolver os alunos longe da violência, não mostrar praticamente nada e ainda tratá-los como marginais. “É uma minoria que faz estes crimes, nós não somos esta violência. A cidade fica estigmatizada como um todo”.

Foto: Herick Murad


B-boy e palhaço, o aluno Diones também é grafiteiro.
Na matéria, sobre arte nem um ai!

Cidade toda paga o preço

Para o professor Luiz Martins, da UnB, no Brasil atualmente há, paralelo à criminalidade, outro movimento. “O que acontece no Brasil hoje é que por toda a mobilização dos movimentos sociais da sociedade civil, é que ao lado da cultura de violência existem ações de cultura de paz, e pelo que se viu no programa não foram mostradas e isto já caracteriza uma tendência, uma parcialidade”, disse o professor. São Sebastião sem nadaO programa Profissão Repórter tem um blog na internet, pelo qual seus jornalistas comentam as reportagens. Carol Kleinübing, a repórter que esteve em São Sebastião e participou do grande sarau organizado na tarde em que ela esteve lá, relata sobre a experiência de andar pela cidade, segundo ela, "de norte a sul, de leste a oeste". Afirma não ter visto nenhuma boa oportunidade para solucionar as dificuldades da comunidade. E ainda diz também ter perguntado a todas as pessoas por quem passou e entrevistou se haviam opções de lazer, cultura ou esporte, tendo tido como resposta que a cidade "Não tem nada", de todos os jovens do local.

Neste relato, ela demonstrou o quanto se equivoca e é parcial, ao pintar um "inferno" numa cidade com bons equipamentos públicos. Há alguns anos até poderíamos afirmar o que ela diz, mas hoje em dia não. A repórter andou pelo Prédio Provisório do CED São Francisco. Ele fica dentro do CAIC, no centro da cidade. Pois, em frente ao CAIC existe uma linda praça, com bancos, playground(parquinho infantil com areia) e árvores de sombra. Um local que já foi palco de saraus e shows. Que foi recentemente palco do 16º Aniversário da comunidade. Asfaltado e bem urbanizado, com calçadas e faixa de segurança. Diz ela, "Sempre achei que a primeira e mais eficiente alternativa no combate às influências ruins fosse a oferta de oportunidades boas. Reforcei minha lógica depois de conhecer São Sebastião. Andamos por todas as quadras,de norte a sul, nos extremos leste e oeste, e não encontramos praças, nem bancos, nem quadras de esporte. Também não existe cinema, nem teatro".

A estrutura inexistente ou a cegueira proposital?
Lista de equipamentos e manifestações culturais relatados em comentário à seu texto no blog do Profissão Repórter. Quem relatou foi Eduardo Nunes, músico e morador local. Com base em informações da Administração Regional de São Sebastião:

10 praçasAulas de musica para iniciantes semanal;
aulas de música para músicos semanal;
oficina permanente de circo;
01 brinquedoteca que funciona diariamente e atende 200 crianças;
Evento de rap periódico- hip hop solidário - que acontece bimestralmente;
01 fórum de entidades que reúne cerca de 40 entidades do terceiro setor que se reúne mensalmente;
Artistas premiados em teatro e música;
10 campos de futebol, sendo 04 iluminados e 01 com grama sintética de uso gratuito e mais 05 com grama sintética particulares;
02 ligas desportivas que promovem campeonatos semestrais há anos.
06 kits malhação com circuito inteligente pensado por especialista em educação física;
08 quadras de esporte;
02 ginásios de esporte;
01 Sarau que é realizado mensalmente há sete anos, com teatro, música, poesia, dança, artes plásticas, vídeos, etc.
20 Grupos de Dança;
01 evento de rock que é realizados a cada dois meses;
01 grupo de catira;
01 escola de samba;
05 quadrilhas juninas premiadas no concurso regional;
10 playgrounds de uso gratuito espalhados pela cidade;
05 campos de futebol de areia de uso gratuito espalhados pela cidade;
01 vila olímpica em fase final ( a maior do DF);
01 parque ambiental com vários equipamentos públicos em construção;


Em jornalismo é prática corrente desconfiar de informações oficiais e checá-las à exaustão a fim de confirmar um dado. Num jornalismo preguiçoso, publica-se qualquer coisa sem apuração. Nesta situação, Carol escreveu texto falando da falta de uma infra estrutura básica na cidade. Não procede.

Polícia em ação
Vale ressaltar que recentemente as polícias, civil e militar, fizeram grande a Operação Tsunami II, que prendeu quase 50 envolvidos com crimes na nossa localidade. E que nos últimos anos só há alguns períodos isolados onde ocorrem incidentes entre os grupos rivais. Não estamos no Rio de Janeiro.


Arte em segundo plano. Cultura de paz também

Caco: meu conterrâneo me decepciona
Assisti na Universidade de Brasília(UnB) uma grande palestra, num projeto chamado Diálogos Universitários. Foi em 2008 ainda, Caco Barcelos discursou sobre uma constatação de seus anos de jornalismo investigativo. Falava sobre a Cultura de Violência que aflige nossa sociedade. Na palestra, ele defendeu que há uma cultura de violência em nossa sociedade, com base em estatísticas sobre a quantidade de homicídios por armas de fogo na capital paulista. Segundo a pesquisa, somente 4% dos assassinatos à mão armada na capital da garoa são cometidos por criminosos com real envolvimento marginal. Naquele período de pesquisa exposto por Barcelos, 20% das mortes "à bala" foram responsabilidade de policiais. E concluiu dizendo que os demais 76% dos crimes desta natureza são feitos por supostos cidadãos comuns, em situações inesperadas e tal. E justifica isto como sendo a cultura de violência que impera em nosso meio social violento, mostrando também o alto índice de pessoas que aceitariam práticas de tortura contra bandidos presos para obtenção de informação. Fiquei pasmo com aquela palestra. Fiquei fã do editor chefe do Profissão depois disto.

Não esperava a edição dada à matéria sobre as gangues no DF. Vamos sobreviver. Nossa comunidade já sofreu de estigmas piores como a cidade com hantavirose, recordista de dengue e mais nviolenta do DF. E que para a projeção de meia dúzia de jornalistas fomos mais taxados ainda. A opinião pública da comunidade é diferente do que este programa refletiu e gostaríamos muito de mostrar o outro lado da moeda, a nossa cultura de paz. Já fui muito orgulhoso de saber inclusive que Caco era gaúcho. E um cara de origem simples, não sei se de favela, não sei se ele já teve o sentimento de "perifa", de pertencer a um lugar. Tomara que ele se lembre disto quando edite suas matérias sensacionais. São Sebastião não vai se esquecer.

Comecei a estudar jornalismo por causa de profissionais de classe média como estes, que falam de coisas das quais não entendem e que mesmo vendo e convivendo com as realidade de comunidades tão ricas quanto esta não conseguem transpor o sentimento de um local. Presos ao factual, pontual. Vem com uma tese fechada só para ilustrar e não constatar quais são os fatos in loco. Abram-se para se surpreender com o que encontram senhores comunicadores. Consegui bolsa de estudos por meu mérito e vou me formar. Trabalho com jornalismo comunitário e pretendo muito poder dar voz às favelas pelos nossos próprios meios. Nossa resposta será dada em voz alta e bom ton. Ninguém precisará mais pôr palavras na boca de nossos jovens ou pintar o inferno para parecer correspondente de guerra em início de carreira e se projetar. Tomara!

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